Recordo das tardes de final de verão de minha infância, quando o calor apertava e a digestão incitava ao repouso e à sesta. A essas horas, durante quinze dias se ouviam em todas as salas das moradias as vozes dos comentaristas da volta ciclística. Antes que começasse o grande evento todos estávamos expectantes de seu percurso. Se você tivesse a sorte de que esse ano passasse por sua localidade, no dia da etapa a televisão era desligada e saíamos com tempo suficiente para nos aproximarmos da meta ou ocupar um lugar estratégico para ver da melhor forma possível os corredores passando.
Em ocasiões posteriores voltei a ver de perto esse grande evento, sob o prisma da passagem de tempo e a maturidade. Pude observar a evolução da tecnologia em todos os componentes, desde as bicicletas até à forma de retransmitir nos meios. Vivi como se paralisa minha cidade durante dias, quase um quilômetro de trailers um atrás do outro com os equipamentos de cada grupo participante, helicópteros sobrevoando, cercas quilométricas nas calçadas, artistas espontâneos pintando grafites no asfalto, turistas com suas bandeiras apoiando ao corredor de sua nacionalidade, hotéis ocupados a 100% de sua capacidade; milhares de euros circulando por onde passa o maior espetáculo efêmero do país.
Hoje voltou a passar por aqui, a vinte e cinco metros de minha casa, ia muito adiantada com relação ao programado, só tive tempo de pegar minha câmera e cruzar a rua, não pude buscar um ponto estratégico, nem os corredores passaram a um metro de mim, tampouco comiam porque já estavam preparados para começar a grande subida do passo de alta montanha. Mas a sensação foi a mesma que tinha na infância… você ouve se aproximar a tormenta, bate seu coração, você vê passar seu colorido raio e volta à normalidade um pouquinho mais feliz.
De Pacto Visual para Cia do Pedal.
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